Ao iniciar a leitura deste texto, faça um exercício breve. Olhe para o texto, mas ouça os barulhos que chegam aos seus ouvidos, vire a cabeça e observe os objetos que estão próximos, sinta o cheiro no ar, perceba a sensação que seu assento lhe oferece. Você consegue ler alguma coisa? É claro que não, pois a sua atenção foi desviada do texto.
Nosso mundo é cheio de estímulos, sejam eles visuais, sonoros, táteis ou olfativos. E nosso cérebro recebe estes estímulos todo momento. Há um “filtro” no cérebro, que bloqueia a entrada de estímulos quando se está concentrado em um determinado assunto ou tarefa. Por este motivo, agora você está conseguindo ler este texto, afinal, você não mudou de lugar e os barulhos, sons e cheiros continuam chegando.
Quando se tem o Transtorno do Déficit de Atenção (TDA), este filtro que mencionei não atua bem. Desta forma, os estímulos chegam ao cérebro continuamente, dificultando a concentração. Imagine então, se isto ocorrer na sala de aula, onde a atenção é altamente exigida. Os resultados costumam ser ruins.
O TDA começou a ser descrito no início do século XX, mas somente nos anos 80 se conseguiu entender melhor o que ocorre no cérebro de quem tem este transtorno. Porém, até hoje, não se conhece o motivo exato. O que se sabe é que há uma base neurológica para explicar este transtorno, que ele tem uma base genética também e que não é devido a uma criação errônea dos filhos.
O Transtorno do Déficit de Atenção se caracteriza por comportamentos como impulsividade, distração, hiperatividade, frustração e, algumas vezes, agressividade. Para o diagnóstico há necessidade de alguns destes comportamentos, mas não necessariamente todos. Por este motivo há duas formas de TDA: com ou sem hiperatividade. O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade é mais frequente em meninos (na proporção de três meninos para uma menina) e hoje se estima em 5% o número de crianças americanas com este diagnóstico. O TDA sem hiperatividade não é tão frequente, porém é mais encontrado nas meninas, o que acaba não chamando tanto a atenção, pelo fato destas crianças serem quietas.
Dificilmente o diagnóstico é feito antes dos 5 aos 7 anos de idade, pois é nesta fase que se dá início a alfabetização, começando a aparecer a dificuldade de concentração nas tarefas, pois é exigida maior atenção. Além disto, os sintomas devem acontecer tanto em casa como em outro ambiente, como a escola. Por exemplo, uma criança que é muito ativa em casa, não para quieta, sobe em tudo, passa de um brinquedo a outro sem parar, porém, na escola é quieta e acompanha bem as atividades, não tem TDAH. Os comportamentos devem se repetir em qualquer lugar ou ambiente.
O diagnóstico é clínico, feito mais comumente por neuropediatras ou psiquiatras infantis. Podem ser utilizados alguns questionários para ajudar no diagnóstico. Mas, este não é um diagnóstico fácil algumas vezes, pois há casos mais típicos e outros não.
O grande problema de uma criança com déficit de atenção é que, ao longo do tempo, ela vai acreditando que é incapaz de realizar tarefas, que é “burra” ( como acaba sendo chamada muitas vezes), que não presta atenção, que só atrapalha a classe, que incomoda. Isto faz com que sua autoestima despenque. E, sem tratamento, crescerá com este pensamento, chegando á adolescência desta forma. Na adolescência, fase em que gostar de si mesmo já é difícil, com este passado, é quase impossível. E, muitas vezes, drogas ou comportamentos perigosos tomam conta do jovem. Além disto, o uso de cocaína melhora os sintomas de TDAH, pela própria ação da droga em certas regiões do cérebro.
Uma vez feito o diagnóstico, o TDAH é tratado com drogas estimulantes. Pode parecer contraditório, tratar hiperatividade com estimulantes, mas a ação do medicamento se dará justamente no estímulo do “filtro” cerebral, o que ajuda a manter a atenção. A melhora costuma ser dramática em termos de aproveitamento escolar e comportamento. O metilfenidato ( Ritalina é seu nome comercial) é a droga mais utilizada hoje em dia.
Não há até o momento, critérios diagnósticos para crianças menores de seis anos de idade. Apesar disto, o periódico Journal of the American Medical Association publicou em 2000 que o número de drogas psicotrópicas prescritas para crianças de dois a quatro anos triplicou de 1991 a 1995!
Prescrever drogas para hiperatividade para crianças de três anos de idade me parece extremamente exagerado, pois crianças de três anos estão descobrindo o mundo e, se há um momento na vida para ser hiperativo, este é o momento.